
A IMPORTÂNCIA GLOBAL DO IDF – WORLD DAIRY SUMMIT 2024,
E O IMPACTO NOS LATICÍNIOS BRASILEIROS
Por: Jaime Marcos Dietrich
Membro do Comitê Permanente de Resíduos e Contaminantes da IDF
Diretor de Biociência da Globalfood e Diretor da StabiVet&Food
*The International Dairy Federation
A IDF World Dairy Summit 2024, realizado em Paris, evidenciou mais uma vez sua relevância como um dos principais eventos do setor lácteo mundial, reunindo mais de 2.000 participantes de 64 países. Fundada em 1903, a entidade nasceu da necessidade de estabelecer padrões e metodologias que norteassem a comercialização de lácteos entre diferentes países. Atualmente continua fortemente voltada para garantir que as políticas, padrões, práticas e regulamentos adequados estejam em vigor para assegurar que os produtos lácteos do mundo sejam seguros e sustentáveis. A frase da entidade explicita sua missão: “Ajudando a nutrir o mundo com laticínios seguros e sustentáveis”.
O recente evento em Paris trouxe à tona discussões cruciais sobre o futuro dos laticínios, englobando economia, sustentabilidade, tecnologia e saúde. Este artigo apresenta um panorama desses dias de encontro, com foco nas implicações e oportunidades para os laticínios brasileiros. Mais especificamente foram muito debatidos os seguintes temas:
- Economia e o Mercado Mundial de Lácteos
- Desafios de Mão de Obra no Setor Lácteo
- Impactos Ambientais da Cadeia Láctea
- Economia e Segurança Alimentar
- Saúde e Nutrição
- Sustentabilidade e Dietas
- Segurança dos Alimentos
- Tecnologia
- Gestão da Produção Leiteira
- Aspectos Culturais e Sociais da Produção e Consumo de Lácteos
UMA ATUAÇÃO DE MAIS DE 120 ANOS.
A International Dairy Federation (IDF), desde sua fundação, tem desempenhado um papel vital na definição de padrões globais para o setor. Com contribuições de 1.200 especialistas de 39 países, representa 74% da produção global de leite. Muito influente, a organização trabalha em colaboração com entidades internacionais, como a Codex Alimentarius (Codex), a FAO (The Food & Agriculture Organization das Nações Unidas ) e a ISO (Internacional Organization for Standartization), buscando harmonizar regulamentos e práticas. Outras entidadas relacionadas a esse importante trabalho: Word Organization for Animal Health (WOAH), Livestock Enviromental Assessment and Performance Partnership (LEAP), Global Agenda for Sustainable Livestock (GASL).
O Brasil, embora tenha enfrentado desafios à sua participação nesse tempo, é membro desde 2010 e continua a integrar a IDF através da Associação do G100 e subcomitês nacionais. Os países exportadores de produtos lácteos são extremamente engajados na IDF, pois este fórum são delineando diretrizes, metodologias que necessitam ser seguidos para se manterem competitivos globalmente, bem como países importadores, e desta forma definem-se as proteções de mercados de forma indireta. Realmente é um mundo à parte e que aborda, transversalmente todas as questões do leite e seus produtos.
A IDF possui 18 Comitês Permanentes atuando nas áreas de: Saúde e bem-estar animal, política e Economia, Gestão de Fazendas, Higiene e Segurança, Métodos Analíticos e Amostragem, Ciência e Tecnologia do Leite, Meio Ambiente, Padrões dos Alimentos, Marketing e Saúde e Nutrição Humana.
Cada um desses comitês elabora relatórios e faz intercâmbios mundialmente, ao redor desses temas. E cada país membro, por sua vez, possui subcomitês nacionais que mandam conteúdos e interagem. Cada Comitê permanente cria grupos de trabalhos para tratar de assuntos específicos, dos quais experts do assunto são convidados a participar, mesmo não fazendo parte do comitê permanente.
UM PANORAMA COM MUITAS NOVIDADES.
No evento, vivenciei debates que destacaram desafios e perspectivas de crescimento na produção e consumo de laticínios globalmente. Países emergentes como Índia, China e algumas regiões da África demonstram rápido crescimento, contrastando com a estagnação ou declínio observados em gigantes tradicionais como na Europa e nos Estados Unidos. A Índia, por exemplo, está vivenciando uma transformação cultural que impacta positivamente a produção leiteira, enquanto na China, o governo incentiva o aumento da produção local, diminuindo a dependência de importações.
Um ponto crítico abordado foi a mão de obra e sucessão dentro do setor. Na Europa o modelo de produção é mais familiar, a propriedade vive única e exclusivamente da produção de leite e as gerações novas não se sentem estimuladas a continuar a atividade. A própria IDF iniciou alguns programas para capturar e estimular os jovens a permanecerem na atividade. Nos Estados Unidos a produção leiteira beira a produção industrial, as fazendas são muito maiores e dependem de mão de obra contratada. O desafio está na qualificação desta mão de obra, majoritariamente formada por imigrantes, nem sempre legalizados, que não dominam a língua e tem muitas dificuldades de entender e atender as instruções estabelecidos pelas fazendas. No Brasil, entendemos que temos os nossos desafios regionais, dos quais podemos destacar a valorização da terra e a competição do uso dela para atividades mais atrativas com a agricultura.
SUSTENTABILIDADE.
O leite e o produtos lácteos tem sofrido críticas quanto a questão da sustentabilidade, impacto ambiental, efeito estufa e pegada de carbono, bem como, sofre ataques de nutricionistas e médicos quanto a saudabilidade. O produtor Europeu tem sofrido muita pressão dos órgãos governamentais quanto as questões ambientais, mas também têm recebido muito investimento para redução do impacto ambiental da produção de leite. Os estudos apresentados mostram uma redução de até 30% nas fazendas de alguns países.
O Marcelo Pereira (MilkPoint) apresentou algumas iniciativas de produtores brasileiros na redução do impacto ambiental. O Brasil ao se candidatar a participar do mercado mundial, necessita dar atenção a este tema. Acredito que inicialmente não conhecemos efetivamente os indicadores de impacto ambiental da atividade no Brasil. Ter os indicadores seria o primeiro passo para implementar ações de redução de impacto ambiental. Ao se implementar ações sem mensurá-las não é possível avaliar se as medidas estão sendo efetivas.
A IDF lançou alguns boletins técnicos para mensurar o impacto ambiental que servem de alicerce para ações desta direção. O Brasil pelas suas características, de adotar as estratégias adequadas, em pouco tempo poderá torna-se um player significativo e competitivo no mercado mundial, mas os desafios quanto a produtividade, qualidade do leite, saúde e bem estar animal e s sustentabilidade não poderão ser relegadas ao segundo plano.
Apresentou-se um conceito denominado de densidade nutricional, que mensura a contribuição efetiva de um alimento no fornecimento de nutrientes essenciais para a nutrição humana. O leite contribui com 23 nutrientes essenciais. Este conceito altera totalmente a dinâmica de impacto ambiental da matriz leite. Até então utilizava-se indicadores de Kg de CO2 por kg/de proteína láctea ou por kg de gordura. Quando analisada por nutriente individualmente, o impacto ambiental dos derivados lácteos é muito superior aos alimentos de origem vegetal ou mesmo outras fontes de proteínas de origem animal, por exemplo. Mas quando se mensura o impacto ambiental de 1 copo de leite frente a sua contribuição em suprir o ser humano de seus nutrientes essenciais, o leite e seus derivados passam e ter indicadores de alimentos de baixo impacto ambiental frente a outros alimentos, inclusive de origem vegetal. Esta mesma concepção está sendo adotada para mensurar alimentos economicamente eficazes e acessíveis para garantir a alimentação da população mundial.
O BRASIL E SEU POTENCIAL.
O Brasil tem plena capacidade de se tornar um protagonista global no mercado de laticínios, assim como já o é em outras commodities agrícolas. Participar ativamente de fóruns internacionais como o IDF World Dairy Summit é crucial para influenciar e se adaptar às diretrizes que regem o comércio global. A atuação estratégica, aliada a um profundo entendimento das tendências globais, é essencial para garantir o sucesso contínuo dos laticínios brasileiros no cenário internacional.
EXPERIÊNCIAS NO MUNDO CIENTÍFICO
Nos grupos de trabalho que temos envolvimento direto podemos destacar:
– Elaboração de Protocolo de Validação de testes rápidos para Micotoxina M1 em Leite.
A Micotoxina M1 oriunda da Aflatoxina B1 existente nos grãos e silagens, que o metabolismo do animal converte em M1, e fica presente no leite. A micotoxina M1 é carcinogênica, o que implica de risco a saíde publica, considerando que o leite é alimento que atendem todas as faixas etárias. A legislação brasileira, Ministério da Saúde, Resolução RDC n° 274, de 2002, estabelece limite máximo de 50 ppb (parte por bilhão) embora a legislação europeia estabeleça como limite seguro de consumo o limite máximo de 5 ppb. A IDF desenvolveu uma metodologia para validar Kits rápidos, iguais aos testes de resíduos de antibióticos, que possibilitem as empresas implantarem monitoramento seguros no controle da matéria prima;
– Utilização de tecnologia de Biologia Molecular na saúde animal, leite e produtos lácteos.
A utilização de biologia molecular tem revolucionado a microbiologia convencional, seja para o controle da saúde animal, como doenças pulmonares em bovinos, BVD, agentes causadores de mastite, bem como metodologias mais rápidas e precisas para controle de processo, como análise e bactérias termodúricas, ou salmonelas em produtos acabados. Este estudo visa criar mecanismos para no futuro validar estas novas metodologias para se equipararem às metodologias convencionais ou oficiais.
No FIL/IDF SUMMIT 2024, o Brasil de fez representar por 2 ilustres representante, Marcelo Pereira (Milk Point), apresentando dados da produção leiteira brasileira e o Prof Antonio Fernandes (UFV).
O artigo, A importância global do IDF – World Dairy Summit 2024, e o impacto nos laticínios brasileiros, foi publicado em 11 de fevereiro de 2025